Princípios da anterioridade e da noventena

Fonte: Luiz Antonio Ribeiro

Autor: Dr. Luiz Antonio Ribeiro, Advogado, Professor de Direito Tributário da Universidade Paulista e dos Cursos de Pós-Graduaçãoda UCAM/ATAME – Cuiabá/MT

O princípio da anterioridade foi inserido no ordenamento constitucional brasileiro por meio da E/C nº 01/69 que veio a alterar a Constituição Federal de 67. Até então prevalecia o princípio da anualidade, cujo teor atrelava a criação ou o aumento de tributo à previsão orçamentária.

A Constituição Federal de 1988 repetiu o princípio da anterioridade no art. 150, III, “b”, e por meio dele a eficácia da lei que cria ou aumenta tributo fica postergada para o exercício financeiro seguinte ao da sua publicação.

No entanto, a redação do dispositivo em causa permitiu que houvesse uma interpretação um tanto quanto nociva ao sujeito passivo, posto que se a lei fosse publicada nos três últimos meses do exercício financeiro (numa situação extrema onde a publicação ocorresse em 30 de dezembro, por exemplo) o tributo já poderia ser exigido em 1º de janeiro do ano seguinte.

Ora, tal situação demonstra afronta ao sentido do princípio da anterioridade, cuja razão de existência repousa no princípio da não surpresa.

Em outros termos, é possível afirmar que o princípio da anterioridade foi criado com a finalidade de se permitir ao sujeito passivo do tributo um período razoável para que houvesse uma adaptação à nova realidade tributária, ou seja, como um novo tributo estava sendo criado, ou um tributo já existente estava sendo aumentado deveria existir um lapso temporal a fim de que o sujeito passivo preparasse condições financeiras para suportar o novo encargo tributário.

Diante desta realidade, qual seja, a criação ou o aumento do tributo num período próximo ao final do exercício financeiro, com claros danos ao sujeito passivo, foi inserido um adendo ao princípio da anterioridade com a finalidade de impedir que tal situação viesse a ocorrer.

Esta foi a razão de a Emenda Constitucional nº 42/03 introduzir alteração no art. 150, III da Constituição Federal, incorporando-lhe a alínea “c” e alterando a redação do seu § 1º.

Assim, após a referida alteração, o texto constitucional nestes pontos passou a ter a seguinte redação:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III – cobrar tributos: 

  1. b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que osinstituiu ou aumentou;
  2. c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a leique os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;
  • 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts.148, I, 153, I, II, IV e V; e 154 II; e a vedação do inciso III, c, não se aplicaaos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.”Com base na nova previsão constitucional a criação ou o aumento de tributos deve, de forma prática, se pautar pelo PRINCÍPIO DA NOVENTENA, cuja determinação estabelece o seguinte regramento geral:
  1. Se a lei que cria ou aumenta tributo for publicada até o dia 03 de outubro, a exigibilidade será possível a partir do dia 1º de janeiro do ano seguinte ao da publicação, havendo no caso para a eficácia normativa de uma “vacatio” mínima de 90 (noventa) dias. Pode-se dizer que neste intervalo (de 1º de janeiro até o dia 03 de outubro) prevalece apenas o princípio da anterioridade.
  2. Por outro enfoque, se a lei for publicada após o dia 04 de outubro e até o dia 31 de dezembro, como regra, a exigibilidade somente será viável depois de decorrido o prazo de 90 (noventa) dias a contar da data da referida publicação (princípio da noventena). Assim, se houver a publicação do texto legal em 04 de outubro o tributo somente poderá ser cobrado após o dia 02 de janeiro do ano seguinte e assim sucessivamente, até a data limite de publicação em 31 de dezembro, quando o tributo será exigido em 31 de março ou 1º de abril do ano seguinte (a variação ocorre pelo fato de ser ou não ano bissexto). Deve ser bem esclarecido que é necessário cumprir a “vacatio” constitucional de 90 (noventa) dias, ou, como já se convencionou denominar, observar o princípio da “noventena”.

Por outro lado, temos como exceções à regra:

  1. Para os empréstimos compulsórios que atendam às despesas extraordinárias (art. 148, I – CF), para os impostos sobre importação, exportação, renda e proventos de qualquer natureza e sobre operações financeiras (IOF), bem como os impostos extraordinários instituídos por guerra externa ou sua iminência (art. 154, II), não se aplicará a regra da “vacatio” constitucional de 90 (noventa) dias. Deste modo, a cobrança é admitida imediatamente após a publicação do ato normativo que os houver instituído ou aumentado, exceção feita ao IR; que tem submissão ao princípio da anterioridade;
  2. Para o imposto sobre produtos industrializados (IPI) a situação, após a E/C nº 42/03, ficou de certa forma atípica, posto que tal tributo não cumpre o princípio da anterioridade (v. § 1º do art. 150 – CF), mas em caso de aumento de alíquota (que é feito por decreto do Poder Executivo, conforme art. 153, § 1º – CF) a cobrança deverá obedecer o mencionado prazo de 90 (noventa) dias trazido pela citada alteração constitucional;
  3. Quanto ao IPVA (art. 155, III – CF) e ao IPTU (art. 156, I – CF), no que se refere ao aumento da base de cálculo, tal alteração, ainda que se paute pelo princípio da anterioridade, não se submeterá ao criado prazo de 90 (noventa) dias. Deste modo, sendo a alteração em causa publicada até o dia 31 de dezembro a eficácia deste ato se imporá já em 1º de janeiro do ano seguinte. Por outro lado, se for o caso de aumento de alíquotas a legislação deverá cumprir o princípio da anterioridade, bem como a “vacatio” constitucional de 90 (noventa) dias.
  4. As contribuições sociais decorrentes do art. 195 da CF não levarão em conta nem o princípio da anterioridade propriamente dito, conforme determina o art. 149 da CF, e nem o prazo de 90 (noventa) dias da E/C nº 42/03. Para tal espécie tributária prevalece o disposto no § 6º do citado art. 195, isto é, as contribuições sociais devem cumprir um “outro” prazo de 90 (noventa) dias, ou seja, quando estas forem instituídas ou modificadas a eficácia da lei ficará postergada para 90 (noventa) dias após a data da sua publicação, independentemente de se levar em conta o chamado exercício financeiro. Assim, de forma prática, se a lei que altera tal tributo for publicada em fevereiro de determinado ano a cobrança será possível após o decurso do prazo de 90 (noventa) dias. De outra forma, se a lei for publicada em novembro, o tributo somente será exigível depois de 90 (noventa) dias da data da publicação. Em síntese, deve sempre ser cumprida a “vacatio” constitucional de 90 (noventa) dias dissociada do exercício financeiro. Aplica-se ao caso o intitulado princípio da anterioridade nonagesimal ou anterioridade especial ou mitigada.

Em resumo, fazendo-se a comparação entre o princípio da anterioridade e o princípio da noventena temos o seguinte quadro:

ESPÉCIE TRIBUTÁRIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERALPRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE (art. 150, III, “b” – CF)PRINCÍPIO DA NOVENTENA (art. 150, III, “c” – CF)
IINãoNão
IENãoNão
IRSimNão
IPINãoSim
IOFNãoNão
ITRSimSim
IGFSimSim
IMPOSTOS ESTADUAIS*SimSim
IMPOSTOS DISTRITAIS*SimSim
IMPOSTOS MUNICIPAIS*SimSim
TAXASSimSim
CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIASimSim
EMPRÉSTIMOS COMPULSÓRIOS (art.148, I)NãoNão
EMPRÉSTIMOS COMPULSÓRIOS (art. 148, II)SimSim
IMPOSTOS EXTRAORDINÁRIOS.(art. 154,I)NãoNão
IMPOSTOS RESIDUAIS. (art. 154, II)SimSim
CONTRIBUIÇÔES ESPECIAIS (art. 149)**SimSim
CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICASimSim

* o IPVA e o IPTU não cumprem o PRINCÍPIO DA NOVENTENA quando se tratar de aumento de base de cálculo. Obedecem apenas ao princípio da anterioridade. No entanto, se for o caso de aumento de alíquotas não haverá nenhuma exceção, cumprindo as duas regras acima.

** as regras mencionadas não se aplicam às contribuições sociais, que são regidas pelo disposto no art. 195, § 6º – CF – PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL.