Indenização em sede de contrato administrativo nulo

*Ércio Lins
 
O Direito pátrio veda o locupletamento sem causa. Também chamado de enriquecimento ilícito. Veja-se o teor do art. 884 do Código Civil:
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. (g.n)

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.
 
A aplicação supletiva dos ditames de direito privado em sede de contrato administrativo é expressamente autorizada pelo caput do art. 54 da Lei n. 8.666/93:
 
Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado. (g. n.)
 
Assim, pode-se, in casu, aplicar o art. 884 do Código Civil nas questões relacionadas aos instrumentos administrativos, haja vista o expresso autorizativo contido no art. 54 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos (LLCA).
 
Por seu turno, o parágrafo único do art. 60 da Lei n. 8.666/93 infere que é “nulo” o contrato verbal com a administração:
 
Art. 60. (…)
 
Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, … (g. n.)
 
Todavia, em face da vedação ao locupletamento sem causa, o parágrafo único do art. 59 da Lei n. 8.666/93, mesmo diante de contrato nulo, não exime a administração do dever de indenizar. Veja-se o dispositivo:
 
Art. 59. (…).
 
Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa. (g. n.)
 
Outro fato que também concorre para que a Administração Pública possa indenizar contratos verbais é a responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º, da Constituição da República que, inclusive, assegura o direito ao ente público de acionar regressivamente o agente que provocou prejuízo ao erário.
 
Art. 37. (…)
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  • 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (g. n)

 
Desse modo, se a contratada, a pedido verbal da Administração, realizou um determinado serviço, e por ele não recebeu em razão da despesa não ter sido previamente empenhada e tampouco constar originariamente do contrato, cabe ao ente público, de ofício ou a requerimento do interessado, promover o pagamento em forma de indenização, sob pena de locupletar-se sem causa. Todavia, alguns cuidados devem ser tomados.
 
Primeiro: há que verificar o real preço do serviço no mercado, ao tempo de sua realização (analogia do § 3º do art. 65 da Lei 8.666/93).
 
Segundo: a indenização não pode ser feita pelo valor “cheio” do serviço. O ente público deverá pagar à empresa apenas os custos efetivos, sem nenhuma margem de lucro. Em se tratando de obras, as despesas devidamente comprovadas podem ser acrescidas das bonificações indiretas (BDI), haja vista que a empreiteira efetivamente incorreu nesses custos, devendo-se, entretanto, expurgar o valor do lucro (Lembre-se: o objetivo é apenas evitar o locupletamento).
 
Terceiro: recomenda-se que o processo de indenização seja feito em autos apartados, posteriormente, apensados aos autos principais que gerou a contratação.
 
Quarto: paralelamente, abra-se uma sindicância para apurar quem deu causa ao contrato nulo, ressaltando que não subsistirá na hipótese qualquer “prejuízo” para ser reparado pelo agente faltoso, vez que o ente público efetivamente recebeu o serviço e pagou o seu valor correspondente. A sindicância é para apurar os fatos (princípio da transparência), bem como para imputar algum tipo de penalidade administrativa ao faltoso (caráter pedagógico e de melhoria de controles internos). Entretanto, se no processo de indenização houver pagamento de prejuízos (art. 59, parágrafo único, da LLCA), estes devem ser, de modo regressivo, restituídos ao erário por quem deu causa ao fato.
 
Assim, tomando-se os devidos cuidados, nada impede que se pague, em sede administrativa, serviços “contratados” de modo verbal. O contrato é nulo, porém indenizável.
 
*Engenheiro, Bel. em Direito, Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais, funcionário do judiciário federal, professor de Direito Administrativo.