Correção de Valores da Lei 8.666/93 – Uma decisão corajosa do TCE/MT

*Ércio Lins
 
Na sociologia costuma-se dizer que conceitos nasceram para serem quebrados. Nada mais certo do que isso. O que hoje é “a verdade”, amanhã não será.
O emérito prof. Pedro Dorileo, no evento denominado “I Congresso sobre a ocupação da Amazônia e do cerrado”, realizado no início dos anos 80, quando se discutia como aproveitar essas terras, disse com muita propriedade que é sempre necessário “cultivar a utopia como antessala da realidade”. Tudo o que hoje é real, um dia foi sonho.
Recentemente, ao conversar com um advogado, este disse que, em relação à causa que ele atuava, nada poderia ser feito, vez que a jurisprudência era totalmente contrária a sua tese.
Na oportunidade, perguntei quem mudava a jurisprudência. Ele respondeu que eram os Tribunais. Eu disse que eram os advogados.
Um grande amigo Desembargador Federal, certa vez me disse que junto com os processos chegavam dois “barquinhos”, um do advogado de defesa e outro da acusação. Enquanto juiz, ele olhava os barcos e escolhia qual seguir viagem para a decisão da lide. Estava feita a jurisprudência.
O Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE/MT), apesar dos problemas públicos que cercam a escolha dos seus membros, tem passado nos últimos anos por uma verdadeira revolução.
Nas sucessivas administrações, o TCE/MT adotou o planejamento estratégico como mantra. Exigiu igual planejamento dos municípios. Passou a privilegiar a auditoria de resultados, em detrimento à auditoria de meio.
Apesar de particularmente não ver com tanta clarividência essa exigência no art. 74 da CR/88, o TCE/MT impôs a existência formal do órgão de controle interno nos municípios. Fez concurso para Conselheiro Substituto e para o Ministério Público de Contas. Profissionalizou seus quadros através de forte investimento em capacitação.
O resultado tem sido espetacular. Se não for o melhor Tribunal de Contas Estadual do país, certamente encontra-se entre os melhores.
No âmbito dos agentes comunitários de saúde e de combate às endemias, p. ex., categorias “sui generis” inseridas na CR/88, via EC n. 51/2006, o TCE/MT tem sido voto condutor do país na regulamentação da matéria. Tem enfrentado com desenvoltura e inovação a questão. Suas decisões, apesar dos agentes quererem mais avanços, são hoje reconhecidamente parâmetros para outros estados. Espera-se decidir aqui, para implantar ali.
Recentemente uma nova lufada de ousadia permeou o TCE/MT. Falo do Processo n. 12.174-6/2014, em sede de consulta do Município de Campos de Júlio, cujo relator foi o Conselheiro Antônio Joaquim, na sessão de julgamento do e. Pleno do dia 09/09/14, quando foi editada a Resolução de Consulta n. 17/2014.
Tudo ia tranqüilo e na direção da solução ortodoxa quando o município de Campos de Júlio fez aportar no TCE/MT duas singelas indagações:
“a) legalidade do poder executivo municipal atualizar, mediante lei ou decreto, baseado nos índices de correção monetária, os valores das modalidades licitatórias constantes na Lei 8.666/93;
b) legalidade dos municípios editarem normas próprias de licitação, com fulcro nos artigos 1º e 118 da Lei 8.666/93, tendo em vista o entendimento que as normas de caráter específico contidas no citado Diploma Legal são aplicáveis apenas no âmbito da própria União, não vinculando os estados e os municípios que poderão dispor em contrário em suas respectivas legislações.”
Em belo e competente estudo, a assessoria técnica do TCE/MT enfrentou a questão e fez consignar a seguinte sugestão de ementa:
“a) A competência constitucional para legislar sobre normas gerais de licitações e contratações públicas é privativa da União, cabendo aos demais entes da federação a possibilidade de legislarem acerca da matéria apenas de forma suplementar, por meio de normas específicas.
b) A competência legislativa suplementar dos estados, do DF e dos municípios consiste na possibilidade de regulamentar as normas gerais expedidas pela União, a fim de adequá-las às peculiaridades regionais e locais, e somente naquilo que não foi definido ou delimitado pelas normas gerais insculpidas na Lei de Licitações.
c) Não é possível a outros entes da federação, a exemplo dos municípios, estabelecerem novos valores para a definição das modalidades licitatórias previstas na Lei nº 8.666/93, tendo em vista tratar-se de norma geral albergada na competência privativa da União.”
O d. MP de Contas foi na mesma direção, ofertando parecer pelo acatamento in totum dos termos sugeridos pela Consultoria Técnica. O Conselheiro Relator idem.
Mas, ai veio o imponderável de um órgão colegiado plural, onde alguém pode surpreender com uma visão diferente da aparente unanimidade.
Veio à tona o voto vista divergente.
Assentado em farta doutrina e em algumas esparsas jurisprudências de tribunais judiciais, fez-se observar que a indagação nodal do município consulente não estava sendo respondida.
Era preciso dizer claramente, não se o ente municipal poderia fixar “novos valores” para os limites das modalidades, inclusive para a dispensa de licitação, mas sim se ele (o município) poderia corrigir monetariamente os valores fixados originariamente pelo art. 23 da Lei 8.666, no distante ano de 1993, quando o citado Diploma Legal foi editado.
Para tanto, utilizou-se de refinada técnica de hermenêutica, fazendo interpretações teleológicas e intertemporais da matéria.
Ao fim, para espanto geral e para o bem da jurisprudência, concluiu que:
“a) omissis.
b) omissis.
c) o artigo 22 da Lei de Licitações que estabelece as modalidades licitatórias é norma geral, editada pela União, sendo legalmente vedada a criação de novas modalidades pelos demais entes federados; (g.n)
d) o artigo 23 da Lei de Licitações é norma específica, editada pela União com vistas a fixar os valores a que tão somente seus órgãos e entidades se sujeitam para escolha das modalidades licitatórias, sendo juridicamente possível a outros entes da federação, a exemplo dos municípios, estabelecerem novos valores para a definição das modalidades licitatórias previstas na Lei nº 8.666/93; (g.n)
e) a Lei nº 8666/93 revogou integralmente o Decreto-Lei 2300/86, em especial seu artigo 85 caput e parágrafo único, extinguido a vedação a que os demais entes da federação alterassem os limites máximos de valor fixados para as modalidades licitatórias, vedação esta não reproduzida pela Lei n. 8666/93; (g.n)
f) a eventual disciplina estadual concorrente supletiva, e a suplementar municipal, em matéria de fixação do valor das modalidades licitatórias nacionais deverá ser feita por lei em sentido formal; (g.n)
g) o valor a ser fixado pelos demais entes, à titulo de limite máximo para fixação das modalidades licitatórias do artigo 22 da Lei nº. 8666/93, à luz da regra constitucional da licitação, e do princípio da razoabilidade, jamais poderá servir de burla à regra constitucional de submissão das aquisições e alienações ao próprio processo licitatório;
f) o artigo 120 da Lei nº. 8666/93 é norma geral, editada pela União, tão somente na parte em que prescreve o indexador de reajuste dos valores fixados na referida lei, e a periodicidade do reajuste; (g.n)
g) os Chefes do Poder Executivo poderão atualizar monetariamente os valores fixados pela Lei nº. 8666/93, tão somente com base no indexador e na periodicidade nacionalmente fixados pelo artigo 120 da Lei nº. 8666/93.”
Novamente, para surpresa de todos e em favor da necessária mutação da jurisprudência, o Relator acatou os termos do voto vista divergente, bem como a mudança do parecer do d. MP de Contas proferido oralmente na sessão plenária.”
Por unanimidade, todos seguiram com o relator.
No caso em tela, excepcionando a regra, não foram as partes que apresentaram o “barquinho” para firmar a jurisprudência, foram os próprios julgadores.
Foram eles que construíram uma tremenda tese jurídica, a qual, diga-se, não concordo, mas louvo.
Falo isso, porque tenho para mim que o art. 120 da Lei 8.666/93, na sua integralidade, é norma geral. Nesse sentido, nada mais esclarecedor do que os ensinamentos daquele que editou a melhor e mais profunda obra perscrutando, artigo por artigo, o caráter e o conteúdo das normas desse Diploma Legal, Prof. Jessé Torres Pereira júnior2, verbis:
“Art. 120. (…)
(…)
2 – Caráter da norma
Geral, porquanto somente a União pode criar indexadores de preço em âmbito nacional e estabelecer-lhes variações periódicas de valor em correlação com a moeda corrente.
3 – Conteúdo da norma
…trata-se de regra que só se justifica em face da persistência do fenômeno inflacionário. Tão persistente que o contingente tende a tornar-se permanente, a ponto de a lei ver-se constrangida a autorizar atualizações periódicas por ato administrativo federal, com validade para todos os âmbitos e esferas da Administração Pública brasileira.”
Já sobre o art. 23 da Lei 8.666/93, o Prof. Jessé Torres, assim preleciona3:
“Art. 23. (…)
(…)
2 – Caráter da norma
A norma é geral, a despeito da Lei nº 8.666/93 não reeditar o comando do Dec.-lei nº 2.300/86, cujo art. 85 proibia Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios de ampliar ‘limites máximos de valor fixados para as diversas modalidades de licitação.
Deduz-se a cogência nacional do art. 23 e seus incisos da regra do art. 120, que, com a redação da Lei nº 9.648/98, autoriza a revisão desses valores, pelo Poder Executivo Federal, com base em índice de validade nacional. Eis, subjacente, o princípio da igualdade.” (g.n)
Em verdade, o art. 120 da Lei 8.666/93 deve ter interpretação restritiva, pois, de modo literal, ele fixou e deu poderes expressos ao Chefe do Poder Executivo Federal, e somente a ele, de revisar anualmente os valores definidos originariamente pelo citado Diploma Legal.
Ocorre que, ao redigir a norma, o legislador da época utilizou-se da famigerada expressão “poderão”, inserindo, portanto, uma faculdade. Vide a redação do dispositivo:
“rt. 120. Os valores fixados por esta Lei poderão ser anualmente revistos pelo Poder Executivo Federal, que os fará publicar no Diário Oficial da União, observando como limite superior a variação geral dos preços do mercado, no período.”
Assim, aquilo que deveria ser obrigatoriedade, transmudou-se em faculdade, e o Poder Executivo Federal, no uso desse poder discricionário, nunca promoveu a atualização dos valores, que se encontram absolutamente defasados, vez que carcomidos pela inflação do período.
O limite de dispensa de licitação em R$ 8.000,00 (oito mil reais) para aquisição de bens e serviço que não engenharia, é simplesmente ridículo. Engessa a administração, obrigado-a a realizar certames licitatórios para objetos de pouca representatividade econômica. Como diz o ditado popular: “o molho sai mais caro que o peixe”.
Por outro lado, excepcionando o caso da dispensa de licitação, que realmente precisa ser corrigido, qual seria o motivo para tanto se buscar ampliar os limites das modalidades? Afinal, hodiernamente o pregão não está atrelado a qualquer valor.
Porque utilizar o convite, se a Administração pode lançar mão de uma modalidade mais célere e mais efetiva, onde a competitividade é a tônica, inclusive, podendo ser realizada no formato virtual, com ampla possibilidade de participação dos interessados?
Espero que os motivos não sejam inconfessáveis.
De todo modo, tenho a impressão que a ousada e bela decisão do TCE/MT não deve se sustentar. Provavelmente será questionada na Justiça pelo d. Ministério Público ou por uma entidade civil qualquer. Afinal, todos têm medo de dar mais liberdade aos gestores públicos. Os sucessivos escândalos corroboram essa preocupação.
Assim, se corrigir de uma só vez os valores da Lei 8.666/93, dependendo do porte do município, contrariando o art. 37, XXI, da CR/88, dispensar será a regra, enquanto que a licitação será a exceção. Infelizmente, há que reconhecer que a possibilidade de manipulação do resultado, em sede de dispensa e de convite, será muito maior se seus limites forem abruptamente aumentados.
Todavia, contrariando o que juridicamente penso, quero estar errado em meu posicionamento. Torço para que a corajosa decisão do TCE/MT não seja retirada de cena pela ação do judiciário. Quero confiar que os gestores debem, diante de novos limites, utilizem a liberdade para “desengessarem” a administração, porém, sem afastar-se dos princípios republicanos que regem a coisa pública.“Alea jacta est”4
P.S.: Inobstante minha posição jurídica sobre a decisão, faço a sugestão de que o TCE/MT complemente a Resolução estabelecendo os exatos parâmetros da correção dos valores, definindo claramente: a) termo inicial; b) periodicidade de 12 (doze) meses, com base na regra “emprestada” da Lei do Plano Real; c) proibição de correção “pro rata die”; d) indexadores que devem ser usados em cada período, se for o caso.
A presente sugestão tem por escopo evitar pluralidade de entendimentos, caso contrário, vão florescer tabelas divergentes, em razão da metodologia adotada por cada município. Talvez fosse de bom alvitre, o TCE/MT exemplificar o cálculo.
1 Bel. em Engenharia, Bel. em Direito, Pós-Graduado em Direito Civil, Processual Civil e Direito do Estado, Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais. Serventuário da Justiça do Trabalho e Assessor Parlamentar da Câmara Federal.
2 Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública, 5ª edição, p. 120
3 Idem, p. 248.
4 Em tradução livre: “A sorte está lançada”.

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